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O Planalto dos Graminhais e as últimas narcejas de S. Miguel

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Gonçalo Elias
Carlos Pereira
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O Planalto dos Graminhais e as últimas narcejas de S. Miguel Empty O Planalto dos Graminhais e as últimas narcejas de S. Miguel

Mensagem por Carlos Pereira Ter Jun 26, 2007 8:00 am

O Planalto dos Graminhais é talvez a maior pastagem natural dos Açores, o mesmo é dizer - e não é pouco - de Portugal.

Noutras ilhas do arquipélago açoriano existem mais pastagens com estas características: humidade durante todo o ano(mesmo no Verão) e a vegetação dominante: Sphagnum sp., Holcus sp., Polytrichium sp., Juncus sp., Junipherus sp., Erica azorica, líquens vários, etc. Dizia, que noutras ilhas é possível encontrar outras pastagens deste género, e ilhas como o Pico, São Jorge, Flores ou mesmo o Corvo, terão uma maior área total com pastagens com estas características. No entanto não há outro local como os Graminhais. Nem com aquela beleza selvagem. Que, recordo, já era assim quando no século XV chegaram ali os primeiros povoadores. Ao contrário de outras pastagens, que originalmente eram floresta de laurissilva e matagais de urze desbravados com fins agrícolas, os Graminhais já são referidos nos documentos da época como sendo uma imensa zona húmida de altitude.

É, para quem não conhece o local, uma paisagem «irreal», de rara beleza. Mesmo quando o tempo é agreste - o que ali é uma constante grande parte do ano - e o nevoeiro denso. No Outono/Inverno ocorrem ali, entre outras, a Escrevedeira-das-neves Plectrophenax nivalis(o Inverno passado cheguei a observar um bando com 21 inds.), o Tordo-zornal Turdus pilaris(em Novembro houve um dia em que observei um bando com, pelo menos, 38 inds.), o Marrequinho Anas crecca, a Narceja-galega Lymnocryptes minimus e a Narceja de Wilson Gallinago delicata. No período estival ocorrem como reprodutores a Galinhola Scolopax rusticola(há duas semanas tive um final de tarde em que «observei»/contactos 14-18 machos no roding, voo de exibição que os machos efectuam nesta época do ano) e a Narceja Gallinago gallinago como espécies que merecem maior destaque. No caso desta última, é mesmo o único local em São Miguel onde esta espécie se reproduz. Em número muito reduzido(serão actualmente seis casais no máximo). A observação na semana passada de alguns priolos na zona de turfeira(as primeiras no local) sugerem que a espécie poderá ali nidificar(pelo menos faz parte da área de dispersão da espécie).

Em matéria de vegetação – pese embora a minha ignorância nesta matéria – é um sítio único, no contexto nacional e mesmo regional.

No entanto, o local continua a desaparecer. Vítima da vaca, da criptoméria(neste momento há uma nova plantação que drenou/destruiu mais uma pastagem – e já «levou» metade doutra -, onde ainda há dois anos nidificava(m) 2-3 casais de Narceja), das novas infestantes(esta gente não aprende mesmo) e dos constantes assaltos do Homem(no próximo fim-de-semana vai por ali passar o Rali Sata)… Viu a sentença de um parque eólico ser adiada por algum tempo. Vamos ver até quando.

Pois é, que apesar desta riqueza e património natural único, o sítio não tem nenhum estatuto que o proteja. Quando traçaram a ZPE do Pico da Vara… deixaram de fora a zona planáltica dos Graminhais, e a fronteira é a crista/encosta que dá para a Povoação. Parece que o Priolo é que interessava e não ocorria no planalto(pelos vistos enganaram-se…).

Fica aqui, mais do que a denúncia da situação, o desabafo. E a minha amargura – sem esperança – é porque assisto diariamente, impotente, à destruição de um local que adoro, apaixonadamente. E a vítima principal é a Narceja enquanto reprodutora.

É que no continente, num passado recente, já «assistimos» à mesma destruição das nossas zonas húmidas de altitude(conhecidas no Minho e em Trás-os-Montes por lameiros). Com consequências fatais – hoje difíceis de avaliar em toda a sua dimensão - para várias espécies associadas a esses habitats.

Uma vez mais, parece que o Homem não aprendeu nada com a História. Neste caso com a sua própria História.
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Mensagem por Gonçalo Elias Ter Jun 26, 2007 9:24 am

Carlos Pereira escreveu:Pois é, que apesar desta riqueza e património natural único, o sítio não tem nenhum estatuto que o proteja. Quando traçaram a ZPE do Pico da Vara… deixaram de fora a zona planáltica dos Graminhais, e a fronteira é a crista/encosta que dá para a Povoação. Parece que o Priolo é que interessava e não ocorria no planalto(pelos vistos enganaram-se…).

Fica aqui, mais do que a denúncia da situação, o desabafo. E a minha amargura – sem esperança – é porque assisto diariamente, impotente, à destruição de um local que adoro, apaixonadamente. E a vítima principal é a Narceja enquanto reprodutora.

É que no continente, num passado recente, já «assistimos» à mesma destruição das nossas zonas húmidas de altitude(conhecidas no Minho e em Trás-os-Montes por lameiros). Com consequências fatais – hoje difíceis de avaliar em toda a sua dimensão - para várias espécies associadas a esses habitats.

Uma vez mais, parece que o Homem não aprendeu nada com a História. Neste caso com a sua própria História.

Amigo Carlos,

Partilho da tua apreensão relativamente à falta de protecção da zona que descreves, designadamente pela sua exclusão da ZPE que abrange a zona adjacente.

Gostaria contudo de lembrar que o facto de ser ZPE não garante coisa nenhuma, como já testemunhámos no continente - quer no estuário do Tejo, quer nas planícies de Castro Verde: quando há outros interesses em jogo, o facto de uma zona ser ZPE é pouco ou nada relevante.

1 abraço,
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Mensagem por thysvalkenburg Ter Jun 26, 2007 9:57 am

Olá Carlos,

Estou de acordo com o que dizes em relação ao planalto, eu próprio testemunhei o planalto com tempo agreste e com tempo calmo e fiquei fascinado com este lugar. Mas também vi o que de mal estava a acontecer, ficando triste em não poder fazer nada em relação a isso.

Um abraço

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Mensagem por cmnsilva Seg Jul 02, 2007 2:59 am

Olá Carlos, testemunhei contigo o voo e o canto da Narceja nos Graminhais.
Infelizmente, os graminhais, mesmo sem estatuto de conservação, estará condenada se as entidades competentes não fizerem nada.
Há falta de sensibilidade pública para áreas naturais e cada vez mais essas áreas são vistas como "anexos e quintais" que só utilizam para vazar "entulho de desenvolvimento" - rallys, eolicas, aeroporto, campo de golfo,etc...

OS GRAMINHAIS ESTARÃO CONDENADOS E AS SUAS NARCEJAS EXTINTAS SE MEDIDAS DE GESTÃO NÃO FOREM ADOPTADAS.

O actual Plano de Desenvolviment Rural que apoia a reconversão de pastagens, a drenagem de terrenos que compromete o abastecimento dos lençois freáticos das populações locais, a invasão de GUNNERA que ameaça as turfeiras e as estradas contruidas aleatoriamente que interromperam o circulo hidrológico, etc... factores que extinguirão as Narcejas dos Açores.

Cenários destes, verificamos todos os dias e sentimo-nos impotentes para encontrar "ferramentas de atrito" ao desenvolvimento...
Por mim... estarei ao dipor para ajudar no que for necessário para salvar os últimos casais do narceja.
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Mensagem por Ricardo_G77 Ter Jul 10, 2007 3:02 am

Como o Carlos Silva tb eu testemunhei contigo o voo e canto da narcja nos Graminhais, os nossos Graminhais... para mim é talvez o local de eleição em São Miguel. Testemunhei tamém, com tristeza, as ameaças que se avizinham e que se nada for feito destruirão esse local magnifico não tarda. Deixo aí uma imagem para vermos do que estamos a falar... mas uma imagem não vale nada quando comparada com a visita ao local. Não o percam enquanto ainda existe.

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Mensagem por Alexandre_Leitão Sáb Jul 28, 2007 8:49 am

Meus caros amigos:

Uma leitura cuidada do Livro Vermelho de Vertebrados de Portugal (à partida, um instrumento de apoio à implementação de medidas directas de conservação, e uma ferramenta directora da intervenção que deve ser feita sobre as espécies com estatuto desfavorável) sobre a Narceja-comum revela-nos a categoria Criticamente Ameaçada para o Continente, e Insuficientemente Conhecida, para os Açores. Dado que o Livro é de 2005, pergunto-me porque é que o trabalho de levantamento feito pelo Carlos Pereira, integrado nos trabalhos da SPEA, não foi tido para clarificar o estatuto da espécies (obviamente, deveria logo integrar, pelo menos a categoria Em Perigo, se só tivermos em conta a dimensão populacional).

Sendo assim, e dado que desconheço a possibilidade de ser alterado o estatuto de uma dada espécie, à luz de novos dados comprovados científicamente, poderia aqui estar uma forma de tentar inverter a situação. E porquê? Tenho um pouco mais de confiança na Secretaria Regional do Ambiente, que no ICNB em termos de implementação de medidas, e a noção de que o turismo ornitológico tem imenso potencial, está mais desenvolvida nos Açores que no Continente.

Por outro lado, a requalificação da zona, e, pelo menos, a sua integração do programa IBA's, e futura integração em ZPE, deverá ser um passo lógico a dar. Para tal, será necessário suportar essas démarche com dados concretos e técnicamente válidos, por isso, o apelo é: quem os tem que os divulgue!! Antes do nosso umbigo, e da nossa produção académica estão outros valores bem mais importantes.

Finalmente, colocar o Planalto dos Graminhais no Mapa e Roteiros Ornitológicos é fundamental - o marketing é uma ferramenta beligerante de elevado calibre, e pode e deve ser usado da melhor forma. Da minha parte, no Noticiário Ornitológico, vou fazendo o que posso. Outras coisas podem ser feitas, como a divulgação do local em outros fóruns, nomeadamente estrangeiros. Nas newsletters, um artigo em revistas da especialidade, etc.

Por mim, contém comigo para participar em qualquer uma destas acções.

Abraço a todos
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Mensagem por Carlos Pereira Seg Jul 30, 2007 8:21 am

O Planalto dos Graminhais e as últimas narcejas de S. Miguel Gramin10

Haverá alguma turfeira como esta em Portugal? Tenho a certeza que não.

Obrigado pela atenção Alex.

E pelas palavras. Por todas.

De facto, foi pena que no LVVP não se tenha aproveitado os dados que recolhi em 2005 quando fiz o censo de Narceja nos Açores. Parece que, na altura em que o relatório do trabalho «saiu», já tinham «fechado» e estavam em trabalho de edição/impressão(?).

Depois, não tenho a certeza que, a espécie possa ser considerada, nos Açores, como Criticamente em Perigo. Em São Miguel sem dúvida. Mas, geralmente, estas coisas são avaliadas num contexto nacional/regional. E, desse ponto de vista, nas ilhas onde a espécie ocorre como reprodutora, apenas em São Miguel e no Faial merece essa classificação. Embora noutras ilhas a situação seja frágil e incerta(Terceira) ou caminhe a largos passos para a degradação(Pico).

A ZPE «passa mesmo ao lado». E os limites foram alargados há relativamente pouco tempo. Existe uma coisa nos Graminhais perfeitamente ridícula que é uma reserva florestal de... criptomérias(que, para os que não sabem, são os eucaliptos dos Açores)! Ora, como é óbvio deixa de fora a zona que interessa conservar/proteger, ou seja, a área de turfeira.

O Planalto dos Graminhais nos roteiros ornitológicos até que é uma boa ideia, embora o local não tenha potencialmente muitas raridades para «vender». E o terreno é duro e - perdoem a laracha - para Homens...
E, como sabemos, o birdwatching internacional(porque o nacional não existe nos Açores) procura sobretudo os endemismos açorianos e as raridades americanas. E nós sabemos que as preocupações com a conservação não são própriamente causa primeira entre essa gente.

Mas, claro, acredito que o melhor caminho para tentar proteger o que resta deste local é dá-lo a conhecer, aos naturalistas e ao grande público, e mediatizar o mais possível a «causa».

Abraços aos «amigos dos Graminhais»

Carlos
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Mensagem por Gonçalo Elias Qui Ago 09, 2007 7:41 am

Carlos Pereira escreveu:
E, como sabemos, o birdwatching internacional(porque o nacional não existe nos Açores) procura sobretudo os endemismos açorianos e as raridades americanas. E nós sabemos que as preocupações com a conservação não são própriamente causa primeira entre essa gente.

Amigo Carlos,

Noto nas tuas palavras algum descontentamento para com os praticantes do birdwatching internacional.

É um facto que quem viaja para um país estrangeiro com o propósito de ver aves procura, principalmente, as espécies novas. É um facto que, para essa gente a possibilidade de encontrar as aves que nunca observaram justifica a realização da viagem. Foi para isso que investiram o seu dinheiro. Mas será legítimo assumir que estes observadores não se preocupam com a conservação?

É bom lembrar que muitos dos que hoje defendem aguerridamente a conservação começaram por ser simples birdwatchers (no país ou no estrangeiro), interessados sobretudo em ver espécies que não conheciam. Outros há, como certamente sabes, que começaram a interessar-se pelas aves numa vertente mais interactiva (perdoa-me o eufemismo) que não tem propriamente a ver com a simples observação. Relativamente a este último grupo poderia facilmente escrever "nós sabemos que as preocupações com a conservação não são própriamente causa primeira entre essa gente". No entanto, estaria a ser injusto. Estaria a fazer um juízo de valor colectivo que não posso nem devo fazer, pois conheço pessoalmente casos de pessoas que, tendo inicialmente pertencido a esse grupo, rapidamente ficaram sensibilizados para a importância da conservação; nalguns casos, isso não impediu que mantivessem a forma de interacção que os levou a tomar contacto com o mundo das aves. Seria injusto presumir que não se interessam pela conservação e mais ainda fazer generalizações, susceptíveis de "ofenderem a classe".

Tal como seria injusto fazer afirmações generalistas sobre os birdwatchers (nacionais ou internacionais) e sobre as suas alegadas prioridades ou causas, no que à conservação diz respeito.

Convém lembrar que para que a conservação da natureza seja bem sucedida, é muito importante, para não dizer fundamental, que as economias locais possam de alguma forma beneficiar com ela. Nesse aspecto, o turismo ornitológico tem dado uma importante contribuição em diversos países e regiões, nomeadamente os menos favorecidos. Esta contribuição pode não ser directa, mas é tão importante como a daqueles que intervêm directamente nos projectos.

1 abraço,
Gonçalo
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