Que se sabe sobre a ocorrência ou existência da gralha-de-bico-amarelo em território português?
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Que se sabe sobre a ocorrência ou existência da gralha-de-bico-amarelo em território português?
Que se sabe sobre a ocorrência ou existência da gralha-de-bico-amarelo em território português?
Questão: Quando terá sido a última vez que ocorreu de forma mais ou menos regular em Portugal?
Foram, por vezes, reportadas de forma não oficial nem confirmada, muito espaçadamente, alguns avistamentos de gralhas-de-bico-amarelo, em território nacional.
1. Plistocénico
Sabe-se que ocorreu no nosso território, no Plistocénico, em muitos locais, como por exemplo na Gruta da Furninha, através de múltiplos registos fósseis ("The Complex Carnivore-rich Assemblages from Furninha (Peniche, Portugal): a Multidisciplinary Approach", Jean-Philip Brugal et al., 2012; "A Avifauna Plistocénia de Portugal. Especificidades Evolutivas, Anatómicas e o seu Contexto Paleontológico, Geológico e Arqueológico", Silvério Figueiredo, 2010).
Porém, terá ocorrido mais recentemente? Os Pirenéus, onde ocorre em grandes bandos, ficam relativamente perto do interior norte e centro de Portugal, onde existem serras bastante altas e também com um clima mais frio. Seria de esperar que ocorresse aí também? Recentemente, num outro tópico deste forum (Gralha de Bico Vermelho), datado de Setembro de 2015, terá sido avistado um indivíduo no Parque Natural de Montesinho. Não foi possível confirmar essa observação e ficam em aberto as opiniões sobre se realmente se terá tratado de uma gralha-de-bico-amarelo (Pyrrhocorax graculus) ou de uma gralha-de-bico-vermelho (Pyrrhocorax pyrrhocorax). Tanto quanto se sabe, a primeira não ocorre em Portugal, e portanto não terá sido um indivíduo desta espécie. Porém, nada invalida a que possa ter sido um indivíduo perdido, ainda que pouco provável, nem que, esporádicamente, alguns indivíduos desçam até às serras altas mais a norte do nosso território.
Porém, terá ocorrido mais recentemente? Os Pirenéus, onde ocorre em grandes bandos, ficam relativamente perto do interior norte e centro de Portugal, onde existem serras bastante altas e também com um clima mais frio. Seria de esperar que ocorresse aí também? Recentemente, num outro tópico deste forum (Gralha de Bico Vermelho), datado de Setembro de 2015, terá sido avistado um indivíduo no Parque Natural de Montesinho. Não foi possível confirmar essa observação e ficam em aberto as opiniões sobre se realmente se terá tratado de uma gralha-de-bico-amarelo (Pyrrhocorax graculus) ou de uma gralha-de-bico-vermelho (Pyrrhocorax pyrrhocorax). Tanto quanto se sabe, a primeira não ocorre em Portugal, e portanto não terá sido um indivíduo desta espécie. Porém, nada invalida a que possa ter sido um indivíduo perdido, ainda que pouco provável, nem que, esporádicamente, alguns indivíduos desçam até às serras altas mais a norte do nosso território.
2. Referências recentes
A "Lista Sistemática das Aves de Portugal Continental", publicada no Anuário Ornitológico 5:74-132 (2007), de Rafael Matias, Paulo Catry, Helder Costa, Gonçalo Elias, João Jara, C. C. Moore & Ricardo Tomé, refere observações antigas, mas não confirmadas e aponta-as como prováveis erros de identificação, na p. 119:
"Algumas referências antigas mencionam esta espécie (por exemplo Smith 1868), resultando invariavelmente de prováveis erros de identificação. De facto, deverão corresponder a confusões com juvenis de gralha-de-bico-vermelho Pyrrhocorax pyrrhocorax, que possuem o bico mais curto do que os adultos e com uma coloração amarelada (possibilidade já referida por Paulino d’Oliveira 1896). De referir também que outros autores antigos não referem a ocorrência desta espécie em Portugal (Paulino d’Oliveira 1896, Tait 1924, Reis Júnior 1931, Themido 1952). As alterações sofridas pela nomenclatura das duas espécies do género Pyrrhocorax ao longo do tempo poderão ter estado também na origem de alguma confusão. Por exemplo, os autores portugueses do final do séc. XIX designam a gralha-de-bico-vermelho por Coracia gracula (Giraldes 1879) e mesmo por Pyrrhocorax graculus (Paulino d’Oliveira 1896).
"Algumas referências antigas mencionam esta espécie (por exemplo Smith 1868), resultando invariavelmente de prováveis erros de identificação. De facto, deverão corresponder a confusões com juvenis de gralha-de-bico-vermelho Pyrrhocorax pyrrhocorax, que possuem o bico mais curto do que os adultos e com uma coloração amarelada (possibilidade já referida por Paulino d’Oliveira 1896). De referir também que outros autores antigos não referem a ocorrência desta espécie em Portugal (Paulino d’Oliveira 1896, Tait 1924, Reis Júnior 1931, Themido 1952). As alterações sofridas pela nomenclatura das duas espécies do género Pyrrhocorax ao longo do tempo poderão ter estado também na origem de alguma confusão. Por exemplo, os autores portugueses do final do séc. XIX designam a gralha-de-bico-vermelho por Coracia gracula (Giraldes 1879) e mesmo por Pyrrhocorax graculus (Paulino d’Oliveira 1896).
"Os registos publicados desta espécie, agora considerados como inválidos, são os seguintes:
– número indeterminado de indivíduos, mas reduzido (alguns: “some”) referidos como em conjunto com gralhas-de-bico-vermelho, observados com um instrumento óptico que seria provavelmente um monóculo (descrito como “glass”) nas zonas altas da Serra de Sintra (com a embucadura do Tejo à vista), Abril ou Maio de 1868 (Smith 1868). A informação não é conclusiva e parece resultar de um erro de identificação, podendo citar-se: “(...) some (...) were unmistakeably distinguishable as the common Chough by the vermillion colour of their beaks, and others appeared to me, as I watched them through the glass, to belong to the Alpine species”. Este autor, embora visitasse Portugal pela primeira vez, e mesmo não tendo podido certificar-se da identificação (admitindo ter dúvidas), acrescenta que as duas espécies são conhecidas de Portugal.
– 1 indivíduo abatido perto de Sagres num bando de gralhas-de-bico-vermelho, em data não discriminada, mas seguramente entre Março e início de Maio de 1869 (Rey 1872), sem descrição apresentada; designada por Pyrrhocorax alpinus nesse artigo.
– Giraldes (1879), não mencionando um registo concreto, nem local de ocorrência concreto, refere no seu catálogo apenas que “deverá existir com certeza em Portugal” (onde é designada por Pyrrhocorax alpinus); Paulino d’Oliveira (1896) refere-se à menção desta espécie por Giraldes, escrevendo que no entanto não há conhecimento de que tenha ocorrido em Portugal, acrescentando julgar difícil separar os juvenis da gralha-de-bico-vermelho das aves da presente espécie."
Como é óbvio, comprovar que todos estes registos são efectivamente inválidos, é impossível. De notar que o autor do primeiro item refere que "as duas espécies são conhecidas de Portugal". Logo, mesmo que a sua observação esteja errada, terá havido outras observações generalizadas, de uma ou de outra forma, indicando que ambas as espécies ocorreriam em Portugal em inícios/meados do séc. XIX. Ainda de notar que este período coincide com o final da Pequena Idade do Gelo (até meados do séc. XIX), e portanto o clima em Portugal seria também consideravelmente mais frio do que hoje. O observatório da NASA refere inclusivamente dois períodos particularmente frios, centrados em 1650 e 1770 e um último em 1850 (Little Ice Age). Seria por isso muito natural a deslocação territorial desta espécie "mais alpina" até às nossas serras, então igualmente frias.
Por outro lado, em "Biodiversidade e Alterações Climáticas na Península Ibérica", na página 504, é apresentada como uma potencial área para a sua ocorrência no presente, não só a zona dos Pirenéus, mas também uma região entre o leste da Galiza e até ao Norte de Trás-os-Montes, com alguns outros pontos em linha descendente desde a fronteira, entre o Minho e Trás-os-Montes, até próximo de Viseu, bem como uma área correspondente ao complexo da Serra da Estrela e outros pontos junto à costa, desde uma região a sul de Aveiro até à Figueira da Foz. O texto que acompanha o mapa refere:
"Apresenta uma distribuição fragmentada pelas cordilheiras do sul da Europa. Localiza-se exclusivamente no norte da Península Ibérica, desde a cordilheira Cantábrica até aos Pirenéus, onde nidifica nas falésias e paredes rochosas até aos 1800m, alimentando-se de pastagens de montanha. O intervalo de temperatura da sua distribuição na Península varia entre os -14.8°C e os 36.6°C, e o da precipitação entre os 214 mm e os 1926 mm anuais."
Por aqui podemos concluir que tanto os valores da precipitação como das temperaturas que ocorrem no nosso território não são factores limitativos, só por si. A mesma fonte dá, contudo, o estatuto actual em Portugal como "-" e em Espanha como "NE".
Por fim, o "Atlas de las aves en invierno en España (2007-2010)" indica um ponto com probabilidade de presença (0,1, i.e., pouca), em Espanha, relativamente próximo da zona norte de Trás-os-Montes. Descreve ainda a sua distribuição assim:
"(...)una especie que en el conjunto de su área de distribución global se considera que es básicamente sedentaria, y que en general sólo realiza desplazamientos altitudinales diarios (Cramp y Perrins, 1994a; Del Hoyo et al., 2009). Queda restringida a los sistemas montañosos del norte peninsular, desde el oeste de la cordillera Cantábrica hasta los Pirineos orientales, incluyendo las montañas vascas y el Sistema Ibérico septentrional. Destaca por su abundancia relativa el sector central de la cordillera Cantábrica, a caballo entre Asturias, Cantabria, León y Palencia, y el sector central del Pirineo, especialmente en la provincia de Huesca."
3. Considerações
A preservação de restos de indivíduos mortos em datas mais recentes (por exemplo, nos últimos 500 anos) é extremamente difícil, pois a fossilização ou conservação de restos de animais requer condições muito específicas, que geralmente não ocorrem com tanta frequência. Depois, seria preciso que esses restos, a terem existido, fossem encontrados e correctamente identificados (ou que só com tecnologias mais recentes é possível), e conservados, não sendo destruidos pelas actividades antrópicas e/ou outras.
Posto isto, a probabilidade da sua ocorrência no nosso território é, como sabemos, "ínfima". Mas é de todo impossível? E desde quando é que é uma espécie realmente extinta no nosso território? Que registos mais existirão além dos acima referidos? Serão fidedignos? Seria interessante para debate deste tema que se encontrassem registos históricos da sua presença (ou ausência) bem como das respectivas datas. É bastante provável (dado o clima mais quente) que estivesse ausente na Idade Média, mas não é impossível que ocorra depois disso e mesmo um ou outro indivíduo em tempo actual. Face ao tópico neste forum que referi acima, salientei o facto de o observador ter ficado extremamente impressionado pelo contraste de cor entre o bico e o corpo, tendo a ave bem iluminada e não em contra-luz. Este Verão estive nas Astúrias e vi-as a ambas e em bandos, fotografando-as. Cheguei a confundi-las... Mas ao contrário, pois com menos luz, o bico vermelho distingue-se mal e o amarelo não tão bem como se devidamente iluminado, que é o que se sobressai muito mais do preto, já que o vermelho "é bastante mais escuro". Ainda com base nisto, qual o significado de ser avistado um indivíduo em Portugal, a intervalos bastante espaçados? De notar que indivíduos de espécies tipicamente americanas, por vezes, atravessam todo o Atlântico e são avistados em Portugal, sem que isso indique qualquer diferença sobre a sua distribuição.
Posto isto, a probabilidade da sua ocorrência no nosso território é, como sabemos, "ínfima". Mas é de todo impossível? E desde quando é que é uma espécie realmente extinta no nosso território? Que registos mais existirão além dos acima referidos? Serão fidedignos? Seria interessante para debate deste tema que se encontrassem registos históricos da sua presença (ou ausência) bem como das respectivas datas. É bastante provável (dado o clima mais quente) que estivesse ausente na Idade Média, mas não é impossível que ocorra depois disso e mesmo um ou outro indivíduo em tempo actual. Face ao tópico neste forum que referi acima, salientei o facto de o observador ter ficado extremamente impressionado pelo contraste de cor entre o bico e o corpo, tendo a ave bem iluminada e não em contra-luz. Este Verão estive nas Astúrias e vi-as a ambas e em bandos, fotografando-as. Cheguei a confundi-las... Mas ao contrário, pois com menos luz, o bico vermelho distingue-se mal e o amarelo não tão bem como se devidamente iluminado, que é o que se sobressai muito mais do preto, já que o vermelho "é bastante mais escuro". Ainda com base nisto, qual o significado de ser avistado um indivíduo em Portugal, a intervalos bastante espaçados? De notar que indivíduos de espécies tipicamente americanas, por vezes, atravessam todo o Atlântico e são avistados em Portugal, sem que isso indique qualquer diferença sobre a sua distribuição.
Américo Rosa- Número de Mensagens : 2
Data de inscrição : 05/11/2015
Confundir a cor dos bicos da gralha-preta e da gralha-de-bico-amarelo...
Tal como referido anteriormente, há a possibilidade de se confundir a cor do bico da gralha-preta com o amarelo no bico da espécie alpina, Pyrrhocorax graculus. Deixo aqui uma foto minha, para ilustrar o descrito, embora seja uma má foto, tirada na Quinta do Anjo, Palmela, ao pôr-do-sol, a uma gralha-preta (Corvus corone), em finais de Setembro último. O que me desperta a atenção, aquando do comparar de ambas as cores dos respectivos bicos, é o facto de o "amarelo" da gralha-preta não ser uma cor viva, forte, carregada, mas muito mais "esbranquiçado" ou "mortiço" (apesar de ser brilho) do que a cor bem definida do bico da gralha-de-bico-amarelo. Além disso, há, claro, a diferença na curvatura do bico. Contudo, numa observação de relance ou menos atenta, admito ser perfeitamente natural a confusão entre ambas as espécies.
Américo Rosa- Número de Mensagens : 2
Data de inscrição : 05/11/2015
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