Entrevista: Degradação do Refúgio Ornitológico do Mindelo
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Entrevista: Degradação do Refúgio Ornitológico do Mindelo
Entrevista a Nuno Gomes Oliveira
Degradação do Refúgio Ornitológico do Mindelo é um “exemplo gritante” de “demissão do Estado perante as suas obrigações”
20.10.2008 - 00h28 Amanda Ribeiro e Carla Marques (Rádio Nova)
Quer “alertar consciências” com o novo livro Áreas de importância natural da região do Porto – memória para o futuro. Para Nuno Gomes Oliveira, administrador do Parque Biológico de Gaia, o futuro só pode ser melhor – “porque o passado foi pior”.
Acabou de lançar o livro Áreas de importância natural da região do Porto – memória para o futuro. Que memórias são estas?
São memórias de sítios que estão encravados na grande área metropolitana do Porto, mas que chegaram até aos nossos dias com valores naturais de biodiversidade assinaláveis e, portanto, importa proteger. Eu refiro com particular destaque a Reserva Ornitológica do Mindelo, o Estuário do Douro, a Barrinha de Esmoriz e o conjunto montanhoso da Serra de Santa Justa, que deveria ser há muito o parque natural regional da região do Grande Porto.
Qual é o objectivo desta publicação?
Essencialmente, é registar a epopeia de todas as movimentações que durante décadas foram feitas para a conservação das quatro áreas. O Mindelo foi declarado Reserva Ornitológica em 1956, o conjunto montanhoso da Serra de Santa Justa, foi proposto, antes do 25 de Abril, para parque natural, Esmoriz chegou a ser declarado reserva natural... todas elas têm um longo historial de movimentações, mas passaram-se décadas e nada se fez. E as áreas estão a perder valor natural. O segundo objectivo é, obviamente, alertar consciências. O livro saiu numa altura perfeitamente oportuna. Passou-se para um novo regime jurídico de conservação da natureza, publicado em Diário da República em Julho, que vem permitir que as autarquias locais, por sua própria iniciativa, criem áreas protegidas. E, portanto, se até Julho se dizia “queremos conservar o Mindelo, mas a administração central não faz nada”, a partir de agora esse argumento cai por terra.
Há interesse dos municípios para investir na protecção das áreas naturais dos concelhos?
Há interesse e, a evidenciar isso, há vários pedidos para criar áreas protegidas da parte de municípios. Agora, muitos pedidos não foram atendidos. Ora, se não foram atendidos, agora é a vez do município, por si próprio, avançar. Nós demos o exemplo em Gaia. Tínhamos o projecto de defesa do Estuário do Douro e, mal a lei saiu, a câmara deliberou a criação de uma reserva natural e, portanto, em Novembro estará definitivamente criada a Reserva Natural Local do Estuário do Douro.
O Mindelo era, há não muitos anos, a maior área não urbanizada no litoral da região do Porto. Foi a primeira área com estatuto de protecção, ainda antes do Gerês. Passaram 50 anos e, quem olha para aquela zona, não vê uma área com potencial ornitológico.
É, de facto, um dos exemplos de demissão do Estado perante as suas obrigações na área da conservação do património, nomeadamente do património natural. É um exemplo gritante porque, lá por ter sido em 56, a área nunca deixou de estar classificada. Portanto, tudo o que se fez lá até hoje é...
Ilegal?
É de génese altamente duvidosa.
Porquê que ainda vale a pena preservar esta área?
Restam 200 hectares que vale a pena conservar. Porque todos os bocadinhos que se puderem conservar ao longo da costa são importantíssimos para as aves migratórias. O Mindelo continua a ter interesse, até por uma questão de memória porque, de facto, nós fomos um dos primeiros países da Europa a criar uma reserva ornitológica, se não o primeiro, e isso tem valor simbólico que eu acho que não é de desprezar.
E acredita que o processo agora vai para a frente?
Acredito por uma razão. Apesar do desinteresse e abandono, não aconteceu nada nestas quatro áreas. Nem para o bem, nem para o mal. As áreas continuam livres e desocupadas.
Mas estão bastante degradadas comparando ao que eram...
Mas não é uma degradação que não possa recuar.
Ou seja, ainda vamos a tempo?
Ainda vamos a tempo. Qualquer uma delas, com facilidade, se pode recuperar e pode constituir a base de reserva de biodiversidade da região.
Quem é o responsável por este abandono?
A culpa é mesmo do Estado porque a responsabilidade da conservação da natureza era, integralmente, da administração central até sair este novo diploma legal. Não se pode imputar, de modo nenhum, à câmara.
Parece que, das quatro áreas de que fala do livro, o Estuário do Douro é a única área com uma perspectiva de futuro mais animadora com a candidatura à Rede Nacional de Áreas Protegidas. O fim da construção dos Molhes do Douro está programado para este mês. Estes molhes podem prejudicar a área?
É evidente que sim. Tudo o que se faça no estuário tem repercussões. Mas, enfim, a história dos molhes do douro tem 300 anos e, ao fim de 300 anos, construíram-se. Até ja o meu bisavô andou metido nisso. Mas era uma pré-existência, com que nós temos de lidar. Conservar a natureza, não é chegar a um sítio e pôr-lhe arame farpado e não deixar fazer nada. Isso é, frequentemente, destruir a natureza. Conservar a natureza é tomar medidas de protecção e fazer a gestão activa do habitat. E nós faremos isso no Estuário do Douro.
Como é que vê o futuro para estas quatro áreas? Acha que vai ser melhor?
Fatalmente, vai. Porque o passado foi pior. E não tenho a mínima dúvida de que estas quatro áreas vão ser criadas e daqui a uns anos vão ter uma gestão adequada e se não formos nós, serão os nossos filhos a usufruir delas. Não tenho a mínima dúvida disso.
Mesmo com este Governo?
Com este Governo ou com outro.
Como é que se tem portado este Governo, a nível ambiental?
Este Governo deveria ter uma grande tradição a nível ambiental porque o primeiro-ministro José Sócrates foi deputado, porta-voz da área do ambiente do PS, Secretário de Estado, depois Ministro do Ambiente...E portanto deveria ter uma boa tradição na área ambiental, mas de facto parece que o José Sócrates, de quem eu sou amigo, se esqueceu um pouco das questões importantes da conservação da natureza, tomando medidas que me entristecem. Como, por exemplo, uma que é meramente simbólica que foi ter acabado com os guardas florestais. Somos o único país da Europa e, por ventura, do mundo que não tem guardas florestais. Não matava o orçamento de estado manter aquilo. Agora o que tenho a certeza é que as coisas no futuro vão ser melhores. Só podem ser melhores. A população não admite que sejam piores.
Num mundo cada vez mais industrializado, mas em que a preocupação pelo ambiente é evidente, acha que a administração está mais interessada em investir no ambiente do que estava?
Está a haver um investimento maior no controlo dos danos ambientais para reduzir os efeitos da actividade humana no nosso ambiente. Propriamente, na conservação da base natural da biodiversidade, os investimentos são cada vez menores, pelo menos ao nível do nosso país. Toda a actividade humana assenta na biodiversidade. Ao almoço comemos batatas e hortaliça, comemos biodiversidade. Nós dependemos disso e aí está a haver um investimento cada vez menor.
O que mais o preocupa a nível ambiental na região?
Um dos grandes problemas ambientais do Grande Porto actualmente é a erosão da costa. É preocupante.
Em que locais?
Eu diria que em toda. E esse é um problema muito grande que pode afectar várias coisas. Afecta, desde logo, o turismo balnear: as praias emagreceram e, portanto, fazer praia tem menos qualidade. E depois pode afectar a segurança da costa. Se calhar um outro problema é o abandono dos espaços agrícolas e dos espaços florestais. Depois há os problemas tipicamente urbanos como a poluição.
Qual o maior atentado ambiental dos últimos anos?
Um dos piores exemplos foi a reflorestação intensiva com eucaliptos das serras de Gondomar a Santo Tirso. Estão a ficar pastos de incêndio. É uma das coisas mais graves. Outro gravíssimo foi a construção de barragens, nomeadamente a barragem de Crestuma-Lever, sem adequados mecanismos de passagem dos peixes migratórios como o sável e a lampreia, que acarretou uma perda de rendimentos brutal para os pescadores e o desaparecimento dessas espécies do douro. E depois fazem-se os atentados por omissão como não acautelar estas áreas naturais e não criar mais zonas verdes urbanas.
Com o desenvolvimento de obras estruturantes como o TGV, há espaços na região em perigo? Recordo-me, por exemplo, do Parque de S. Caetano, em Gaia. Dizem que, em qualquer dos traçados, o parque será destruído em Gaia.
Não conheço os traçados, mas nós temos na nossa legislação e na legislação de toda a Europa, um mecanismo para prevenir isso, que são os Estudos de Impacto Ambiental. Portanto, se esse mecanismo for devidamente e honestamente accionado, as coisas resolvem-se.
Na prática, esse mecanismo funciona?
Não, não funciona. Claramente não funciona. Porque quem promove o estudo é o dono da obra e, obviamente, se eu faço estudos de impacto ambiental e o dono da obra vem-me pedir eu, se quero o trabalho, se quero ganhar o meu dinheirito, tenho de ser simpático. Isto é perfeitamente perverso. Deviam ser elaborados por entidades absolutamente independentes.
A Área Metropolitana do Porto (AMP) quer criar uma rede de parques metropolitanos. O que está previsto?
Previsto, não está nada, que eu saiba. Há, de facto, um estudo que encomendaram e que eu já vi uma parte e é um bocado “começar a casa pelo telhado”. É perfeitamente irrealizável, a não ser que seja um projecto para 500 anos ou 1000 anos. Assim acredito. Eu julgo que nós perante a situação que temos de desinteresse dos espaços verdes urbanos devemos ter alguma modéstia a pedir e, por isso, é que eu no meu livro dei relevo a quatro áreas. A partir daí, faço escola. Se estas hoje fossem criadas, eu garanto-vos que daqui a meia dúzia de anos estavam criadas mais não sei quantas. Porque depois é a população que exige.
Ou seja, acha que este projecto da AMP é demasiado ambicioso?
Eu julgo que sim. Pelo que vi vai assustar.
O que pode adiantar sobre o projecto?
Propõe uma rede tão grande de espaços verdes, uma intervenção tão grande mas tão grande... que provavelmente o Orçamento de Estado não chegaria para as criar. Porque não chega criar. Só falando nas áreas protegidas do sistema nacional, parques nacionais, parques naturais e reservas naturais, temos em Portugal uma área imensa! Agora, não têm gestão nenhuma!
Não está com receio que parte do Tua caia no esquecimento por causa do projecto da barragem?
O Vale do Tua desaparece, exactamente, porque não houve desenvolvimento turístico. Por falta de visão estratégica de agentes do local e por algum fundamentalismo de alguns amigos meus ambientalistas que só prestam mau serviço ao ambiente. Se esse turismo se tivesse desenvolvido, eu garanto que o Governo não pensava na barragem. Havia de pensar noutra solução. Agora o que temos ali é um território com um valor de biodiversidade brutal, mas com um valor económico nulo.
Mas com um valor turístico enorme...
Com um potencial! Porque valor é quando entra dinheiro, não é?
Fonte: http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1346669&idCanal=59
Degradação do Refúgio Ornitológico do Mindelo é um “exemplo gritante” de “demissão do Estado perante as suas obrigações”
20.10.2008 - 00h28 Amanda Ribeiro e Carla Marques (Rádio Nova)
Quer “alertar consciências” com o novo livro Áreas de importância natural da região do Porto – memória para o futuro. Para Nuno Gomes Oliveira, administrador do Parque Biológico de Gaia, o futuro só pode ser melhor – “porque o passado foi pior”.
Acabou de lançar o livro Áreas de importância natural da região do Porto – memória para o futuro. Que memórias são estas?
São memórias de sítios que estão encravados na grande área metropolitana do Porto, mas que chegaram até aos nossos dias com valores naturais de biodiversidade assinaláveis e, portanto, importa proteger. Eu refiro com particular destaque a Reserva Ornitológica do Mindelo, o Estuário do Douro, a Barrinha de Esmoriz e o conjunto montanhoso da Serra de Santa Justa, que deveria ser há muito o parque natural regional da região do Grande Porto.
Qual é o objectivo desta publicação?
Essencialmente, é registar a epopeia de todas as movimentações que durante décadas foram feitas para a conservação das quatro áreas. O Mindelo foi declarado Reserva Ornitológica em 1956, o conjunto montanhoso da Serra de Santa Justa, foi proposto, antes do 25 de Abril, para parque natural, Esmoriz chegou a ser declarado reserva natural... todas elas têm um longo historial de movimentações, mas passaram-se décadas e nada se fez. E as áreas estão a perder valor natural. O segundo objectivo é, obviamente, alertar consciências. O livro saiu numa altura perfeitamente oportuna. Passou-se para um novo regime jurídico de conservação da natureza, publicado em Diário da República em Julho, que vem permitir que as autarquias locais, por sua própria iniciativa, criem áreas protegidas. E, portanto, se até Julho se dizia “queremos conservar o Mindelo, mas a administração central não faz nada”, a partir de agora esse argumento cai por terra.
Há interesse dos municípios para investir na protecção das áreas naturais dos concelhos?
Há interesse e, a evidenciar isso, há vários pedidos para criar áreas protegidas da parte de municípios. Agora, muitos pedidos não foram atendidos. Ora, se não foram atendidos, agora é a vez do município, por si próprio, avançar. Nós demos o exemplo em Gaia. Tínhamos o projecto de defesa do Estuário do Douro e, mal a lei saiu, a câmara deliberou a criação de uma reserva natural e, portanto, em Novembro estará definitivamente criada a Reserva Natural Local do Estuário do Douro.
O Mindelo era, há não muitos anos, a maior área não urbanizada no litoral da região do Porto. Foi a primeira área com estatuto de protecção, ainda antes do Gerês. Passaram 50 anos e, quem olha para aquela zona, não vê uma área com potencial ornitológico.
É, de facto, um dos exemplos de demissão do Estado perante as suas obrigações na área da conservação do património, nomeadamente do património natural. É um exemplo gritante porque, lá por ter sido em 56, a área nunca deixou de estar classificada. Portanto, tudo o que se fez lá até hoje é...
Ilegal?
É de génese altamente duvidosa.
Porquê que ainda vale a pena preservar esta área?
Restam 200 hectares que vale a pena conservar. Porque todos os bocadinhos que se puderem conservar ao longo da costa são importantíssimos para as aves migratórias. O Mindelo continua a ter interesse, até por uma questão de memória porque, de facto, nós fomos um dos primeiros países da Europa a criar uma reserva ornitológica, se não o primeiro, e isso tem valor simbólico que eu acho que não é de desprezar.
E acredita que o processo agora vai para a frente?
Acredito por uma razão. Apesar do desinteresse e abandono, não aconteceu nada nestas quatro áreas. Nem para o bem, nem para o mal. As áreas continuam livres e desocupadas.
Mas estão bastante degradadas comparando ao que eram...
Mas não é uma degradação que não possa recuar.
Ou seja, ainda vamos a tempo?
Ainda vamos a tempo. Qualquer uma delas, com facilidade, se pode recuperar e pode constituir a base de reserva de biodiversidade da região.
Quem é o responsável por este abandono?
A culpa é mesmo do Estado porque a responsabilidade da conservação da natureza era, integralmente, da administração central até sair este novo diploma legal. Não se pode imputar, de modo nenhum, à câmara.
Parece que, das quatro áreas de que fala do livro, o Estuário do Douro é a única área com uma perspectiva de futuro mais animadora com a candidatura à Rede Nacional de Áreas Protegidas. O fim da construção dos Molhes do Douro está programado para este mês. Estes molhes podem prejudicar a área?
É evidente que sim. Tudo o que se faça no estuário tem repercussões. Mas, enfim, a história dos molhes do douro tem 300 anos e, ao fim de 300 anos, construíram-se. Até ja o meu bisavô andou metido nisso. Mas era uma pré-existência, com que nós temos de lidar. Conservar a natureza, não é chegar a um sítio e pôr-lhe arame farpado e não deixar fazer nada. Isso é, frequentemente, destruir a natureza. Conservar a natureza é tomar medidas de protecção e fazer a gestão activa do habitat. E nós faremos isso no Estuário do Douro.
Como é que vê o futuro para estas quatro áreas? Acha que vai ser melhor?
Fatalmente, vai. Porque o passado foi pior. E não tenho a mínima dúvida de que estas quatro áreas vão ser criadas e daqui a uns anos vão ter uma gestão adequada e se não formos nós, serão os nossos filhos a usufruir delas. Não tenho a mínima dúvida disso.
Mesmo com este Governo?
Com este Governo ou com outro.
Como é que se tem portado este Governo, a nível ambiental?
Este Governo deveria ter uma grande tradição a nível ambiental porque o primeiro-ministro José Sócrates foi deputado, porta-voz da área do ambiente do PS, Secretário de Estado, depois Ministro do Ambiente...E portanto deveria ter uma boa tradição na área ambiental, mas de facto parece que o José Sócrates, de quem eu sou amigo, se esqueceu um pouco das questões importantes da conservação da natureza, tomando medidas que me entristecem. Como, por exemplo, uma que é meramente simbólica que foi ter acabado com os guardas florestais. Somos o único país da Europa e, por ventura, do mundo que não tem guardas florestais. Não matava o orçamento de estado manter aquilo. Agora o que tenho a certeza é que as coisas no futuro vão ser melhores. Só podem ser melhores. A população não admite que sejam piores.
Num mundo cada vez mais industrializado, mas em que a preocupação pelo ambiente é evidente, acha que a administração está mais interessada em investir no ambiente do que estava?
Está a haver um investimento maior no controlo dos danos ambientais para reduzir os efeitos da actividade humana no nosso ambiente. Propriamente, na conservação da base natural da biodiversidade, os investimentos são cada vez menores, pelo menos ao nível do nosso país. Toda a actividade humana assenta na biodiversidade. Ao almoço comemos batatas e hortaliça, comemos biodiversidade. Nós dependemos disso e aí está a haver um investimento cada vez menor.
O que mais o preocupa a nível ambiental na região?
Um dos grandes problemas ambientais do Grande Porto actualmente é a erosão da costa. É preocupante.
Em que locais?
Eu diria que em toda. E esse é um problema muito grande que pode afectar várias coisas. Afecta, desde logo, o turismo balnear: as praias emagreceram e, portanto, fazer praia tem menos qualidade. E depois pode afectar a segurança da costa. Se calhar um outro problema é o abandono dos espaços agrícolas e dos espaços florestais. Depois há os problemas tipicamente urbanos como a poluição.
Qual o maior atentado ambiental dos últimos anos?
Um dos piores exemplos foi a reflorestação intensiva com eucaliptos das serras de Gondomar a Santo Tirso. Estão a ficar pastos de incêndio. É uma das coisas mais graves. Outro gravíssimo foi a construção de barragens, nomeadamente a barragem de Crestuma-Lever, sem adequados mecanismos de passagem dos peixes migratórios como o sável e a lampreia, que acarretou uma perda de rendimentos brutal para os pescadores e o desaparecimento dessas espécies do douro. E depois fazem-se os atentados por omissão como não acautelar estas áreas naturais e não criar mais zonas verdes urbanas.
Com o desenvolvimento de obras estruturantes como o TGV, há espaços na região em perigo? Recordo-me, por exemplo, do Parque de S. Caetano, em Gaia. Dizem que, em qualquer dos traçados, o parque será destruído em Gaia.
Não conheço os traçados, mas nós temos na nossa legislação e na legislação de toda a Europa, um mecanismo para prevenir isso, que são os Estudos de Impacto Ambiental. Portanto, se esse mecanismo for devidamente e honestamente accionado, as coisas resolvem-se.
Na prática, esse mecanismo funciona?
Não, não funciona. Claramente não funciona. Porque quem promove o estudo é o dono da obra e, obviamente, se eu faço estudos de impacto ambiental e o dono da obra vem-me pedir eu, se quero o trabalho, se quero ganhar o meu dinheirito, tenho de ser simpático. Isto é perfeitamente perverso. Deviam ser elaborados por entidades absolutamente independentes.
A Área Metropolitana do Porto (AMP) quer criar uma rede de parques metropolitanos. O que está previsto?
Previsto, não está nada, que eu saiba. Há, de facto, um estudo que encomendaram e que eu já vi uma parte e é um bocado “começar a casa pelo telhado”. É perfeitamente irrealizável, a não ser que seja um projecto para 500 anos ou 1000 anos. Assim acredito. Eu julgo que nós perante a situação que temos de desinteresse dos espaços verdes urbanos devemos ter alguma modéstia a pedir e, por isso, é que eu no meu livro dei relevo a quatro áreas. A partir daí, faço escola. Se estas hoje fossem criadas, eu garanto-vos que daqui a meia dúzia de anos estavam criadas mais não sei quantas. Porque depois é a população que exige.
Ou seja, acha que este projecto da AMP é demasiado ambicioso?
Eu julgo que sim. Pelo que vi vai assustar.
O que pode adiantar sobre o projecto?
Propõe uma rede tão grande de espaços verdes, uma intervenção tão grande mas tão grande... que provavelmente o Orçamento de Estado não chegaria para as criar. Porque não chega criar. Só falando nas áreas protegidas do sistema nacional, parques nacionais, parques naturais e reservas naturais, temos em Portugal uma área imensa! Agora, não têm gestão nenhuma!
Não está com receio que parte do Tua caia no esquecimento por causa do projecto da barragem?
O Vale do Tua desaparece, exactamente, porque não houve desenvolvimento turístico. Por falta de visão estratégica de agentes do local e por algum fundamentalismo de alguns amigos meus ambientalistas que só prestam mau serviço ao ambiente. Se esse turismo se tivesse desenvolvido, eu garanto que o Governo não pensava na barragem. Havia de pensar noutra solução. Agora o que temos ali é um território com um valor de biodiversidade brutal, mas com um valor económico nulo.
Mas com um valor turístico enorme...
Com um potencial! Porque valor é quando entra dinheiro, não é?
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